A percepção do universo captada pela ordinária visão de um jornalista terráqueo

quarta-feira, 23 de maio de 2007

O treinamento

Curioso como, às vezes, certas coisas começam a se encontrar e acontecer rapidamente. No último post desse blog contei como, enfim, resolvi filiar-me ao Greenpeace – vontade antiga e, agora, concretizada. No entanto, contribuir financeiramente e, com isso, poder acompanhar um pouco mais de perto as ações da entidade era apenas a mais simples das vontades, pois sempre achei fascinante mesmo a idéia de ser um ativista, no mais puro sentido do ativismo partidário e pragmático.

Eis que, há duas semanas, fui convocado para uma reunião de novos voluntários na sede do Greenpeace, na qual alguns coordenadores do grupo distribuíram formulários a fim de conhecer melhor os candidatos e suas expectativas com relação à entidade e, na seqüência, entrevistaram cada um dos possíveis calouros.

Com as entrevistas concluídas, ficou a promessa e a esperança: “Para a semana, entro em contato com vocês para comunicar quais serão os novos voluntários do Greenpeace”, proferiu Michel, coordenador do grupo de novos voluntários.

Sem dar tempo à ansiedade desenfreada, já na terça-feira da semana passada – três dias após a entrevista -, Michel fez a convocação dos novos voluntários para um treinamento que visa a compreensão mais aprofundada dos valores do Greenpeace e da sua atuação. “Sim, agora vocês são ‘greenpeaceanos’...”, dizia ele no e-mail.

Muito feliz, marquei na minha agenda e deixei o domingo reservado para esse treinamento. Já no dia, chegando lá, cerca de 40 voluntários – em que se misturavam voluntários novos e antigos – foram levados para uma sala, onde, no começo, todos se apresentaram, inclusive os coordenadores presentes.

Depois da apresentação, um dos coordenadores – o Miojo, cujo apelido faz jus às suas madeixas encaracoladas – contou, abreviadamente, a história do surgimento do Greenpeace e falou sobre algumas datas importantes para a entidade.

Assim que o Miojo terminou, descemos todos para o pátio, localizado nos fundos da sede do Greenpeace. Lá, o Gui e o Madalena – também coordenadores – tomaram as rédeas das apresentações, e começaram a passar alguns vídeos da entidade, atentando sempre pelas formas corretas e incorretas de agir.

Por trabalhar diretamente com causas complicadas e delicadas e que por vezes exigem ações imediatas e um tanto ousadas, um assunto que ficou bastante tempo em pauta foi prisão, pois inúmeros são os ativistas que já foram presos em decorrência de suas ações. Assistimos várias imagens de ativistas do Greenpeace apanhando e sendo detidos. Não sei qual foi a impressão que esse assunto como um todo causou para os ali presentes, mas, para mim - em particular e por mais estranho que pareça – ficou uma imagem muito boa, consolidada pelas precisas palavras da peculiar e interessantíssima coordenadora Rebeca: “a prisão nunca é um objetivo do “Green”, porém, muitas vezes, para nós ativistas, é uma conseqüência. Entretanto, tendo sempre a certeza de que ela acontece em decorrência de um bem maior”.

Bom, contando assim fica até parecendo que de agora em diante vou sair por aí defendendo as causas do Greenpeace até conseguir ser preso, conquistando com a detenção o apogeu do orgulho e da dignidade da vida de um ativista da natureza, mas nada disso. Existe toda uma estrutura para as coisas acontecerem.

Duas das características do pessoal do Greenpeace que mais me encantaram foram a capacidade de organização do grupo e a ideologia pacifista. Os coordenadores fizeram questão de deixar claro que, em uma ação, o grupo formado para executá-la depende da participação ordenada de cada um de seus membros. Esclareceram também que a ação só termina quando todos os ativistas já estão de volta - são e salvos - e que a violência NUNCA é uma forma de agir.

Por isso que, a partir de todo um conceito muito bem estudado e planejado, me sinto confortável em dizer: se for preciso ser preso em prol do meio ambiente, ou seja, em proveito da vida, com a certeza de que agi de forma pacífica para atentar a um determinado número de pessoas sobre um problema recôndito, que possa causar uma mazela social, então que me ponham algemas.

Lógico que não é bem assim que as coisas funcionam, apesar de que, em diversos casos, a detenção é um fato, o que torna imprescindível saber como agir da forma mais correta diante de um possível caso de encarceramento. Decorrente desse problema real que ronda a vida dos ativistas, fizemos um treinamento muito curioso e que provocou muitas risadas. Os coordenadores explicaram que, em caso de prisão, você não é obrigado a se entregar e caminhar até a viatura mais próxima. Existem três formas de resistência pacífica: corpo mole, em que, como o próprio nome diz, você mantém o corpo todo mole, obrigando os policiais a te carregarem; em posição de árvore, ou seja, se mantendo erguido verticalmente e estático, provocando praticamente o mesmo efeito perante os homens da lei; e, por fim, em forma de pedra, agachado e forçando seu peso para baixo, na tentativa de, também, dificultar a vida dos tiras.

Nesse exercício, montamos duplas que, enquanto um simulava a ação do policial, o outro atuava como ativista, até os papéis se inverterem, no intuito de que todos se familiarizassem com as três formas de resistência pacífica. Fiquei até com pena do meu parceiro de treinamento, um senhor franzino de cerca de cinqüenta anos e no máximo 65 quilos. Para mim, encarcerá-lo não foi tarefa difícil, já para ele, levantar quase três dígitos de massa corporal...

Foi divertido e tudo corria muito bem, até que se iniciou uma movimentação esquisita, uns barulhos na porta, alguns coordenadores começaram a ficar preocupados e ir até o portão de entrada. Fiquei intrigado e curioso para saber o que estava acontecendo, mas não podia simplesmente levantar e ir até lá, mesmo porque um coordenador ainda dava seqüência ao treinamento. Até que um outro membro do Greenpeace se aproximou e pediu ajuda, dizendo que havia um cara incontrolável tentando invadir a sede.

Não tive dúvida, levantei e fui andando rápido até lá enquanto acertava a pífia câmera do meu celular na tentativa de registrar alguma coisa. Quando cheguei, já tinha um amontoado de gente em volta de um cara de meia idade, forte, com um facão de meio metro na mão, ameaçando todo mundo. Cheguei bem perto do cara tentando filmar escondido quando ele agarrou um dos coordenadores do Greenpeace e ficava o ameaçando. Fiquei com medo, dei uns passos para trás, olhei no rosto do pessoal e tava todo mundo meio atônito, até que ouvi uma voz, atrás de mim, dizendo: será? E a partir daí passei a indagar: será mesmo que não é uma pegadinha?

Não deu 30 segundos e a farsa foi revelada, fazendo com que todos caíssem na risada. O tal homem “perturbado” era um amigo do pessoal do Greenpeace que toma conta de um estacionamento vizinho da sede.

Uma pegadinha – muito bem aplicada – para demonstrar que, no Greenpeace, passar por situações de tensão é habitual e, mesmo lidando com pessoas transtornadas, a violência nunca é uma forma correta de agir, pois tudo deve ser resolvido na idéia, pacificamente.

Resultado: Ninguém agiu com violência; minha câmera pífia do celular não filmou nada, pois já encontrei o sujeito dentro do escritório do Greenpeace, onde estava relativamente escuro para uma máquina de celular; dois novos voluntários, aterrorizados, fugiram; e, sim, voltaram com a polícia, que, por sua vez, exigiu explicações dos coordenadores do Greenpeace: “sim, senhor, foi um treinamento e tal”...

Depois desse episódio ainda voltamos para o pátio e ouvimos mais alguns ensinamentos sobre o conceito Greenpeace de atuação. Falamos um pouco também sobre a semana do meio ambiente – que começa no dia 2 de junho -, onde participarei pela primeira vez como ativista. E, assim que terminou o treinamento, fomos - voluntários e coordenadores, porém não todos – para um bar, onde pudemos confraternizar e nos conhecer mais um pouco.

Saí de lá com a certeza de que plantei uma nova semente, conhecendo pessoas muito bacanas, jovens, inteligentes, pacíficas, cheias de esperança no coração e que lutam por uma causa justa, cujas ações são imprescindíveis.