A percepção do universo captada pela ordinária visão de um jornalista terráqueo

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A arte de copiar


A atração mais badalada da última noite de terça-feira no sambódromo de São Paulo deixava uma dúvida no ar entre os visitantes da feira: imitação ou genuinidade? Em meio à perguntas interessantes e comentários benevolentes, afirmações austeras e descuidadas: “isso é réplica, nem tira foto”.

Amarela, repleta de fibras de carbono e símbolo taurino, a réplica do Lamborghini Diablo 2001 VT atraiu e confundiu centenas de curiosos, que se impressionaram com a aparência verossímil do carro.

Seu dono, idealizador e construtor, Marcelo Marinelli (38), orgulhoso, testifica: “Queria construir uma coisa perfeita, que fosse o mais próximo possível do original”.

E conseguiu. Em 2004, quando pela primeira vez pensou na possibilidade de montar a réplica, Marinelli não imaginava que seu projeto ganharia tamanha notoriedade e mudaria de uma vez por toda sua vida.

Começou efetivamente a construção do carro no ano de 2006 e havia planejado 1 ano para sua conclusão. Montou uma oficina, contratou um especialista com trinta anos de experiência em fibra de carbono, outro especialista em montagem e pintura e mandou buscar de fora a carroceria, que, segundo ele, veio totalmente fora das especificações e foi corrigida na própria mecânica.

A cópia ficou pronta em 15 meses. “Demoramos 10 para montar o carro e mais 5 para os testes e ajustes. Tivemos problemas de embreagem e de eixo homocinético, que a gente acabou resolvendo nos últimos meses”.

Com o carro pronto, Marinelli passou a frequentar grupos de fabricantes de réplicas e fóruns de discussão sobre o assunto e, para sua surpresa, seu Lamborghini foi eleito na Califórnia a réplica mais perfeita do mundo do modelo Diablo 2001 VT.

Resultado, Marinelli largou a então profissão de economista e trocou o mercado financeiro pela oficina e por sua paixão por carros. Hoje exporta peças de carbono, feitas sob medida, para diversos lugares do mundo, como EUA, Europa, Canadá e Arábia Saudita, além de já estar planejando a construção de novas réplicas. “O Hobby virou profissão”, afirma feliz e com um sorriso farto.

Por meio de sua réplica, Marinelli construiu um exemplo mais do que legítimo. E diante da arrogância de incautos que menosprezam essa vertente automotiva, fica a pergunta: quem disse que copiar não é arte?

O mais interessante do mercado de réplicas é esse curioso antagonismo alicerçado em sua condição: ser diferenciado é ser o mínimo possível diferente.
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*Texto originalmente publicado aqui.
* Urso que é urso discursa com pulso mesmo sem curso. Valeu irmão, oh Rei CAÔ! Ali no AutoShow você é o cara.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Para passar de fase no jogo entre passado e futuro, só descobrindo o presente

A vida é boa e impreterivelmente feita de fases. Já fui menino num período lúdico e despreocupado; adolescente no melhor estilo rebelde, experimentador, bobo e feio; jovem estudante mais interessado em mudar o mundo com ideologias pessoais através da música do que com o estudo propriamente dito.

Como quem ruma em direção a uma nova porta, com plaqueta precisamente localizada em seu pináculo e descrita como F-U-T-U-R-O, encerro mais uma fase nesta oxidável vida.

Sim, hoje sou um homem casado. Numa sociedade extremamente egoísta e cada vez mais carente de rituais, minha última saga sacramental, até pelas condições, pode ter representado uma marcha ousada e intrépida, mas não passou de atitude movida por volúpia, por ímpeto visceral, ou seja, nada muito pensado ou estruturado. Se pudesse rotular esta passagem, a descreveria como um verdadeiro e espontâneo orgasmo vital.

Não que não esteja feliz com a nova condição, muito pelo contrário. Talvez nunca tenha me sentido tão afortunado. Sinto-me bem: novo sex appeal, novo libido, novos desafios. O que pega um pouco é o desapego ao passado e às fases despreocupadas; o afrontamento às novas, sérias e severas responsabilidades.

Entretanto, nada que não consiga passar por cima. Mas como se ainda pudesse ouvir o rangido estridente do passado se fechando até o estalo do seu choque contra o batente, ensaio os primeiros e tímidos passos através do pórtico vindouro.

O futuro... Por mais que a astrologia e as culturas esotéricas em geral tentem decifrar suas facetas, ele é um estranho que dificilmente mostra sua cara. E como qualquer desconhecido, provoca medo.

Divagando, projeto o futuro como um cão feroz bem no meu caminho, obrigando-me a todo instante conter o odor de receio que insiste em sair pelos meus poros. Tentativa frustrada em meio a uma imagem tão pavorosa: pardo, tipo pitbull, musculoso, dentes afiados, baba escorrida e focinho apontado para o alto, tentando captar a mais leve fragrância. Instantaneamente exalo de meu corpo uma “fumacinha” com cheiro de medo, invisível e inexorável.

O futuro me olha nos olhos, e eu não desvio o olhar. Com as mãos abaixadas, próximas à cintura, aperto rigidamente os punhos e continuo andando. Meu cheiro, que a essa altura já passeia volumosamente por suas vias nasais, o coloca em alerta. De orelha em pé, não late, apenas rosna bem baixinho com minha aproximação. Subterfúgios passam inertes pela minha mente. Paro de encará-lo e miro meu caminho, andando e enfrento meu medo. Impassível, passo pelo futuro sem olhar para trás e sem me importar tanto com o rottweiler que acabo de avistar na próxima esquina.

Na mente ouço a voz de Raul Seixas com entonação americana artificiosa como a de um cantor de blues tupiniquim: “It’s the begging, the end and the middle, my friend”. E a frase, para mim, traz sentido peculiar: compreendo a existência de um novo começo; a até então irrelevância do fim, que se traduz em morte; e o meio, como grande protagonista nesta passagem pela Terra, simbolizando o presente, a necessidade de encontrar um meio para tudo todos os dias da minha vida.